
Matheus de Simone
Projeto Hospitalidade/Casa Aberta
Interessam-me as cidades turísticas. Especialmente as permeadas pela água. Cresci em uma cidade litorânea (Cabo Frio-RJ) e me intriga o comportamento de quem viaja ciente de que a passagem é efêmera, de que não pertence àquele lugar. Como um colonizador que experimenta a terra pela primeira vez e faz seus recortes no chão para tomar parte dele para si. Recorta o ar, a língua, o próprio corpo e inventa uma vida que não era a que existia ali. Interessam-me as praias de nudismo, as saunas, aplicativos para encontros casuais. Os corredores, esquinas, encruzilhadas. Os vilarejos isolados, as cachoeiras pouco exploradas, o território estrangeiro cujos habitantes falam uma língua que sou incapaz de compreender. Cujos habitantes ouvem minha língua e são incapazes de discernir. O que na paisagem convida à reinvenção da identidade do sujeito, à suspensão de suas amarras, por um curto tempo mas suficiente para criar fissuras no espaço e determinar uma rede de relações que acaba por constituir a natureza do lugar? Olhos d’Água traz um convite a um modo de vida que se distancia das minhas experiências na grande cidade e se aproxima de maneira curiosa das investigações que traço acerca da tradição, ancestralidade e das possibilidades de se relacionar coletivamente frente às engrenagens velozes do neoliberalismo. Ao pesquisar sobre a região, lê-se muito sobre uma vida pacata, a calma, cercada pela artesania e pelo modo reservado do interior, como um oásis frente ao cosmopolitismo. Na residência, pretendo mapear esse silêncio, essa vida. A tradição que virtualmente corta a cidade através do Tratado de Tordesilhas, as linhas que conectam os habitantes ao ponto de fazer da troca uma prática comum e reconhecida. Cartografar as possibilidades de redes relacionais - sem a internet, sem os eletrônicos como forma de amparo - e atentar ao que de colonial ainda resta e ao que ainda pode nos servir como espelho para formas outras de se viver no centro.
